Há exatos 13 anos, Balneário Camboriú vivia um dos episódios mais emblemáticos da gestão municipal na área da saúde. No dia 24 de abril de 2012, o então prefeito Edson Renato Dias, o Piriquito, decretava intervenção administrativa no Hospital Municipal Ruth Cardoso (HMRC), apontando uma série de irregularidades na gestão conduzida pela Cruz Vermelha Brasileira, filial do Rio Grande do Sul.
A decisão foi formalizada por meio do Decreto nº 6.550/2012 e se deu após denúncias envolvendo desde a alta taxa de mortalidade de recém-nascidos até a suspeita de uso de recursos públicos para despesas pessoais dos diretores do hospital. Segundo o prefeito, a medida extrema foi necessária diante da falta de respostas da Cruz Vermelha às solicitações da prefeitura e do agravamento dos indícios de irregularidades.
“Existem evidências de possíveis irregularidades […] O engraçado é que [o superintendente] foi demitido porque começou a me fornecer informações. […] Agora, a prefeitura vai realmente saber o que está acontecendo”, declarou Piriquito na época, durante reunião com os profissionais da instituição de saúde.
Em nota de esclarecimento publicada em 27 de abril daquele ano, a prefeitura detalhou os eventos que levaram à intervenção. A Cruz Vermelha havia vencido um concurso de projetos em 2011, passando a gerir o hospital recém-inaugurado a partir de outubro daquele ano. Poucos meses depois, começaram a surgir reclamações sobre falhas no atendimento e indícios de má gestão.
A Comissão de Avaliação e Fiscalização, formada por representantes do Executivo, Legislativo, OAB e Conselho Municipal de Saúde, solicitou à Cruz Vermelha esclarecimentos formais sobre a destinação dos recursos. As respostas foram consideradas insatisfatórias, agravando a desconfiança do governo municipal.
Em abril de 2012, uma Comissão de Apoio Técnico foi criada para auxiliar na investigação. Em paralelo, a prefeitura já cogitava a intervenção, que acabou decretada no dia 23 de abril, com a nomeação do Dr. Eroni Foresti como interventor.
Entre as situações identificadas estavam:
- Raio-X quebrado há mais de 40 dias e falta de filmes para tomografia;
- Inadimplência com fornecedores, inclusive com risco de desabastecimento de sangue pelo HEMOSC;
- Suspensão das atividades do setor financeiro e tentativa de retirada não autorizada de documentos e HDs do hospital;
- Solicitação de compra de máquina de picotar papel em caráter de urgência para destruir documentos confidenciais;
- Notas fiscais de serviços não previstos em contrato, como consultorias de alto custo, passagens, hospedagens, publicidade e assessorias jurídicas;
- Suspeita de compra de uma caminhonete S-10 com recursos do hospital, cujo paradeiro era desconhecido.
Ainda segundo o relatório preliminar da Comissão de Processo Administrativo, somente nos primeiros três dias de trabalho foram identificadas despesas sem previsão contratual que somavam R$ 1,75 milhão.
O prefeito também encaminhou ao Ministério Público os indícios encontrados, como diplomas em branco de uma entidade educacional estrangeira, notas fiscais sem preenchimento e recibos em branco, apontando possível intenção de fraude.
Ao final do comunicado oficial, Piriquito lamentou a conduta da Cruz Vermelha e destacou que esperava da entidade um compromisso humanitário com a saúde pública, o que, segundo ele, não se concretizou.
“Acreditava-se, sinceramente, que a contratada traria para a nossa cidade o apelo humanístico e solidário da entidade Cruz Vermelha, o que, infelizmente, não aconteceu”, afirmou o então prefeito.
A intervenção foi estabelecida com prazo inicial de 30 dias, prorrogáveis por igual período. Durante o período, o hospital continuou funcionando sob gestão direta da prefeitura.
CPI, apurações do TCE e investigações no Ministério Público
Após a decretação da intervenção administrativa no Hospital Municipal Ruth Cardoso, em 23 de abril de 2012, a Prefeitura de Balneário Camboriú passou a gerenciar diretamente a unidade hospitalar, que até então era operada pela Cruz Vermelha Brasileira – filial do Rio Grande do Sul. Embora o decreto previsse um prazo inicial de 30 dias, prorrogáveis por igual período, os efeitos da medida se estenderam por muitos meses. O contrato com a Cruz Vermelha foi oficialmente rescindido em julho de 2012, e, mesmo após a saída da entidade, a administração municipal seguiu adotando medidas emergenciais para manter o funcionamento do hospital.
Em paralelo à intervenção, a Câmara de Vereadores instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as denúncias de irregularidades na gestão do hospital. A CPI colheu depoimentos, requisitou documentos e realizou diligências entre abril e julho de 2012. O relatório final, aprovado no dia 17 de julho, apontou indícios de formação de organização criminosa, fraudes em licitação, desvios de verba, má gestão e negligência médica. Os dados levantados apontavam que, em apenas seis meses, houve 176 mortes no hospital, sendo 22 de recém-nascidos.
A CPI também destacou irregularidades graves na condução contratual por parte da Cruz Vermelha, como transferências não justificadas de recursos públicos para outras filiais da entidade, pagamentos vultosos a serviços de consultoria e publicidade sem previsão contratual, tentativas de destruição e retirada de documentos, e omissão de dados administrativos.
O relatório da comissão indicou 16 nomes para indiciamento, incluindo o então prefeito Edson Renato Dias (Piriquito), o secretário de Saúde da época, Rafael Schroeder, e dirigentes da Cruz Vermelha, como Nício Lacorte, presidente da filial contratada. O documento foi encaminhado ao Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e ao Tribunal de Contas do Estado (TCE/SC).
No MPSC, o caso gerou dois inquéritos distintos. O primeiro, focado exclusivamente no processo licitatório que levou à contratação da Cruz Vermelha, foi arquivado em março de 2013, após a 9ª Promotoria de Justiça entender que não havia provas suficientes para comprovar direcionamento ou vícios insanáveis no certame. No entanto, um segundo inquérito, sob sigilo, foi aberto para investigar a destinação dos recursos públicos pela entidade durante o período de sua atuação à frente do hospital. Os desdobramentos deste procedimento não foram oficialmente divulgados.
Já o Tribunal de Contas instaurou uma Tomada de Contas Especial, que identificou responsabilidade solidária de membros da Cruz Vermelha e também de integrantes da Comissão de Avaliação do contrato, criada pelo próprio município. O TCE apontou indícios de prejuízo ao erário e solicitou apresentação de defesa pelos envolvidos. As irregularidades incluíam despesas sem respaldo contratual, pagamentos suspeitos, e fragilidades na fiscalização por parte do Poder Executivo.
Mesmo após o fim formal da intervenção e da rescisão contratual com a Cruz Vermelha, o hospital continuou sendo gerido diretamente pela prefeitura de Balneário Camboriú até os dias de hoje.