
O que seria uma roda de conversa sobre saúde mental materna, promovida pela vereadora Ciça Müller (PDT), terminou em constrangimento e confronto direto. Durante o encerramento do evento “Nem Toda Maternidade é Rosa”, realizado na noite de segunda-feira (26) na Câmara de Vereadores de Balneário Camboriú, Edemar Ramos, pai do bebê Ragner Leitemperger, morto durante o parto no Hospital Ruth Cardoso, tomou a palavra e escancarou o sofrimento de sua família e a omissão da prefeitura diante do caso.
“Eu sou um pai que eu perdi um filho por uma negligência médica, e eu tenho que viver todo dia com a minha mulher tentando se matar, querendo se matar, por causa do hospital. Vocês não estão entendendo isso.”
A esposa, Dayla Fernanda Pedroso Ramos, teve o útero retirado após uma ruptura durante o parto, realizado em 25 de abril. O casal afirma que desde o início alertou a equipe médica sobre os riscos do parto normal, já que Dayla possuía cesárea anterior e havia contraindicação médica. Ainda assim, a equipe do hospital induziu o parto com ocitocina e rompeu artificialmente a bolsa.
O caso foi marcado por uma série de negligências: manobras condenadas, ausência do médico na sala durante o trabalho de parto, atraso no socorro e contradições em documentos médicos. A própria prefeita Juliana Pavan chegou a se reunir com o casal, mas, segundo a família, os compromissos assumidos, como o custeio do velório do bebê, não foram cumpridos.
“Se eu não tivesse filmado, nada teria acontecido”
Durante o evento, promovido em tom institucional, com a presença da secretária de Saúde Aline Leal, Edemar interrompeu a programação para cobrar explicações.
“Se eu não tivesse filmado, me diz, se eu não tivesse aguentado filmar vendo meu filho morto e a minha mulher toda aberta, o que que teria acontecido? Nada. Teria sido como outro caso, de uma criança que cortou o rosto. Teria sido como todos os outros casos.”
Ao relatar o sofrimento da esposa após a histerectomia total, Edemar acusou o município de omissão:
“Minha mulher teve lá pra fazer um exame de ultrassom porque ela não sabe o que tiraram de dentro dela. Nós não sabemos se tiraram o útero e os ovários. Porque vocês não disseram pra nós e não está nos registros. E nós fomos lá e ficamos aguardando, minha mulher com dor, e sabe o que falaram pra nós? Que ela não tinha prioridade.”
Ele também relatou o descaso até na hora de tirar os pontos de sua esposa.
A secretária de Saúde, Aline Leal, respondeu que “o médico foi afastado, e toda a justiça está com o caso do seu filho”, mas foi questionada duramente pelo pai:
“Por que a equipe não foi afastada? As enfermeiras que acompanharam a minha esposa desde as 8h da manhã, por que não foram afastadas?”
A secretária tentou conduzir a situação dizendo que o caso foi encaminhado aos conselhos e procuradoria, mas sem esclarecer por que os demais envolvidos não foram afastados. Ao insistir para que o pai “sentasse para finalizar o evento”, recebeu nova recusa:
“Eu não estou a fim de sentar. Eu não vou desistir. E vocês tentaram manipular um monte de coisa e você sabe disso. Eu tenho a verdade do meu lado. Eu tenho a verdade do meu lado.”
“A justiça está na mão da prefeita”
Ao enfatizar que não iria desistir até responsabilizar o médico e as enfermeiras que estavam lá, Edemar ouviu da vereadora Ciça Müller, da base aliada do governo: “isso, você precisa procurar a justiça”. A resposta provocou uma reação imediata:
“A justiça está na mão da administração da prefeita. Se ela quisesse, já teria tomado o caso. Porque no dia, o médico fugiu pelo portão do lado. Eu tenho relato, tenho testemunhas que estavam lá e viram o médico fugindo.”
Nesse momento a vereadora insiste em rebater falando: “O médico já foi afastado também.” A resposta causou revolta no pai:
“Ah, e o que adianta afastar? E meu filho, quem é que vai trazer de volta? Vocês vão trazer meu filho de volta? Vocês acham que algum dinheiro vai pagar a morte do meu filho? Não paga.”
Sem resposta do governo
Apesar da gravidade dos fatos relatados, nem a vereadora nem a secretária responderam às acusações sobre omissão da administração após o parto. Edemar afirmou que só recebeu uma visita institucional 15 dias após o parto e que, até hoje, a família não foi atendida de forma digna.
“Não me deram assistência nenhuma desde que minha mulher saiu de lá. Foi uma psicóloga que a vereadora mandou lá, depois de 15 dias. Mas vocês não foram. Ela foi, por conta dela, não porque a prefeitura ajudou.”
E mais uma vez a vereadora respondeu de uma maneira que causou uma incomodo em Edemar: “A família é de Camboriú e a rede de apoio é de Camboriú.”
“Não precisamos de psicólogo, vocês não estão entendendo. Nós precisamos de justiça. O cara matou meu filho! Meu filho era saudável. Eu fiz todos os acompanhamentos. Ele era planejado. Não foi uma criança por acidente. Vocês não estão entendendo isso.”
O caso segue sendo investigado, mas a manifestação pública feita durante o evento na câmara de vereadores escancarou não apenas o drama da família, mas também a ausência de respostas por parte dos responsáveis pela saúde pública municipal.