Neste mês, completam-se 10 anos desde que a Operação Trato Feito foi deflagrada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) em Balneário Camboriú, uma das cidades mais prósperas de Santa Catarina. O objetivo da operação era desmantelar um esquema de fraudes em licitações e corrupção envolvendo servidores públicos e empresários, que manipulavam contratos de serviços públicos em troca de vantagens financeiras.
Ao longo dessa década, a operação teve diversos desdobramentos, resultando em prisões, afastamentos de cargos públicos e o bloqueio de bens. Contudo, o fim oficial da operação trouxe à tona uma dura realidade: a maioria dos crimes investigados prescreveu, levando à extinção da punibilidade dos envolvidos e à frustração de parte da sociedade que esperava respostas mais firmes da Justiça.
O início da operação
Deflagrada em setembro de 2014, a Operação Trato Feito começou após meses de investigação por parte do GAECO, que coletou provas robustas contra políticos, servidores públicos e empresários de Balneário Camboriú. A investigação revelava a existência de um esquema de corrupção que envolvia fraudes em licitações envolvendo obras públicas, como as da Passarela da Barra e Elevado da Avenida do Estado.
Entre os envolvidos, estavam políticos de peso, como o vereador Elton Garcia, o ex-presidente da Compur, Niênio Gontijo, servidores de alto escalão da administração municipal e empresários influentes no cenário econômico da cidade. As investigações indicavam que eles se beneficiavam de contratos públicos fraudulentos em troca de propinas e outras vantagens indevidas.
Passarela da Barra
A Passarela da Barra foi uma das obras centrais investigadas na Operação Trato Feito. A construção da passarela, que conecta a Barra Sul ao bairro da Barra, foi alvo de suspeitas de fraude em licitações, com indícios de que o processo foi manipulado para beneficiar determinadas empresas.
A obra foi inicialmente orçada em aproximadamente R$ 22 milhões, mas, com o andamento dos trabalhos e as fraudes detectadas, o valor final aumentou consideravelmente, chegando a R$ 30 milhões.
Vereador preso e cassado
Elton Garcia foi um dos principais envolvidos na Operação Trato Feito. Como secretário se obras, foi apontado como um dos articuladores do esquema de fraudes em licitações e corrupção dentro da administração municipal.
A operação investigou a atuação de Elton Garcia na manipulação de contratos públicos. Ele teria utilizado sua posição política para direcionar licitações, em troca de vantagens financeiras. Além disso, as investigações sugeriram que Garcia mantinha uma rede de influência dentro da prefeitura e do setor empresarial local, o que facilitava a manutenção do esquema de corrupção.
Como consequência, Elton Garcia foi preso durante as fases iniciais da operação e enfrentou acusações de crimes como corrupção ativa, passiva, organização criminosa e fraude em licitação. A prisão dele foi um dos eventos mais destacados da Operação Trato Feito, sendo uma figura central no escândalo que abalou o cenário político de Balneário Camboriú.
Elton Garcia teve seu mandato de vereador em Balneário Camboriú diretamente afetado pelas investigações da Operação Trato Feito. Após ser preso em 2014, acusado de envolvimento em fraudes em licitações e corrupção, houve uma suspensão temporária de suas atividades legislativas.
O afastamento do cargo aconteceu em razão das graves acusações e da prisão preventiva decretada contra ele. Na época, o afastamento foi justificado para evitar que ele usasse o cargo para interferir nas investigações ou obstruir a justiça. Essa medida é comum em casos envolvendo políticos acusados de corrupção.
Posteriormente, devido ao avanço das investigações e à pressão política e social, Elton Garcia acabou perdendo seu mandato de vereador. A cassação do mandato foi conduzida pela Câmara Municipal de Balneário Camboriú, que abriu processo ético-disciplinar. Após as devidas deliberações e comprovações de seu envolvimento nos esquemas fraudulentos, ele foi formalmente destituído do cargo.
O papel do prefeito Edson Piriquito
Embora o então prefeito Edson Piriquito não tenha sido formalmente acusado de participação direta no esquema, sua gestão foi amplamente criticada pela falta de controle sobre as irregularidades que aconteciam na administração pública. O escândalo teve um impacto significativo na imagem de sua gestão, que foi marcada pela pressão política e social após a deflagração da operação. O nome do prefeito foi frequentemente citado na mídia local, o que gerou uma onda de desconfiança entre a população, embora ele não tenha sido formalmente indiciado.
O longo processo judicial e a prescrição dos crimes
Após a deflagração da operação, o processo judicial se arrastou por anos. Com mais de uma dúzia de réus, a complexidade do caso, somada à paralisação de audiências durante a pandemia de COVID-19, contribuiu para a lentidão no andamento das ações penais. A quantidade de réus e a necessidade de diligências adicionais também atrasaram o julgamento.
Em fevereiro de 2024, uma década após o início das investigações, a Justiça de Santa Catarina decidiu encerrar o processo, extinguindo a punibilidade de praticamente todos os réus devido à prescrição dos crimes. Entre os réus estavam servidores públicos e empresários que, segundo a investigação, tinham participação ativa no esquema de fraudes.
A sentença, proferida pela Juíza Nayana Scherer, reconheceu que, dado o longo tempo decorrido desde o início das investigações e o recebimento da denúncia (em 2015 e 2017), a maioria dos crimes prescreveu. A punição dos acusados tornou-se inviável, já que o tempo para a aplicação de penas mínimas havia sido ultrapassado. Além disso, alguns réus chegaram a firmar acordos de colaboração premiada, o que reduziu ainda mais as chances de punições severas.
A frustração da sociedade e a sensação de impunidade
A extinção da punibilidade de praticamente todos os réus trouxe uma profunda sensação de frustração à sociedade de Balneário Camboriú. Esperava-se que a operação fosse um marco no combate à corrupção no município, mas, uma década depois, o desfecho foi marcado pela impunidade.
Muitos cidadãos locais expressaram descontentamento com o fato de que, apesar das evidências robustas e do impacto negativo do esquema sobre os cofres públicos, os envolvidos não enfrentaram condenações severas. A operação, que começou com grandes expectativas de limpeza na política local, terminou sem responsabilização efetiva para a maioria dos acusados.
O futuro da política em Balneário Camboriú
Com o fim da Operação Trato Feito, o cenário político de Balneário Camboriú segue marcado pela sombra da corrupção. Mesmo após a deflagração da operação, a cidade ainda enfrenta desafios relacionados à transparência e à boa governança. Muitos se questionam se as lições aprendidas ao longo dessa década serão suficientes para mudar a cultura política da região.
Enquanto isso, a necessidade de reformas no sistema de licitações e maior controle sobre a administração pública continuam a ser temas centrais nos debates locais, especialmente com as eleições municipais se aproximando. A sociedade civil organizada e os órgãos de controle externo, como o Ministério Público e o Tribunal de Contas, têm um papel fundamental na fiscalização das ações dos governantes, para evitar que casos semelhantes voltem a acontecer.
Conclusão
Dez anos após a deflagração da Operação Trato Feito, Balneário Camboriú relembra um episódio que começou com a promessa de combate à corrupção, mas terminou com a sensação de impunidade. A prescrição dos crimes e o encerramento do processo sem condenações significativas levantam questionamentos sobre a eficácia do sistema judicial e as dificuldades em lidar com casos complexos de corrupção no Brasil.
Apesar do desfecho insatisfatório para muitos, o legado da operação deixa claro que a luta contra a corrupção é contínua e requer vigilância constante da sociedade e das instituições. A esperança é que, no futuro, operações como essa resultem em mudanças reais e duradouras na política local e nacional.